ENTREVISTA COM LOLA DURÁN ÚCAR

"A arte pode ser um paliativo ao pessimismo que nos invade"

#sociedade #arte #entrevistas

A comissária Lola Durán Úcar recria na exposição La Gran Bóveda de Aldeadávila (A Grande Abóbada de Aldeadávila) a monumental obra do escultor Pablo Serrano que soube harmonizar natureza e tecnologia. Com a COVID-19 causando estragos, Durán sente que a criação artística, agora mais do que nunca, é necessária porque a arte pode acalmar o desânimo generalizado. É com este afã que ela enfrenta a mostra para que o visitante contemple o compromisso do autor com o homem, com sua existência e suas circunstâncias.

Entrevista com Lola Durán, comissária da exposição La Gran Bóveda de Aldeadávila de Pablo Serrano.
Entrevista com Lola Durán, comissária da exposição La Gran Bóveda de Aldeadávila de Pablo Serrano.

Lola Durán Úcar (Saragoça, 1965), comissária da exposição La Gran Bóveda de Aldeadávila de Pablo Serrano, artista presente na coleção Iberdrola Link externo, abra em uma nova aba., é uma apaixonada por este escultor e especialista em sua obra. É autora do Catálogo Fundamentado do escultor Pablo Serrano (2017). Ela destaca do escultor sua eterna sensibilidade e estreita união com o desenvolvimento do contexto histórico que lhe tocou viver (1908-1985) tanto político quanto social. Dado que, em sua trajetória vital, existe sempre um elemento constante: sua preocupação social e humanística. A seguir, revisaremos com ela a oferta da mostra (que complementa a exposição "Serrano na esfera pública") e saberemos sua opinião sobre como a arte é necessária para atenuar os obstáculos da pandemia.

Como surgiu o projeto de exposição da La Gran Bóveda de Aldeadávila e por que você se interessou por ele?

Eu sempre me interessei pela escultura e especialmente por Pablo Serrano. Quando eu estudava sua obra na esfera pública, o conjunto da Gran Bóveda de Aldeadávila foi um dos que mais me impressionou. Foi então, já faz muitos anos, quando comecei a esboçar a ideia de tentar reconstruir este projeto. Depois de muitos esforços - e por casualidades e sorte - foi possível concretizar minha ideia. Graças à colaboração entre a Iberdrola e o Governo de Aragão, a exposição pode ser visitada no Instituto Aragonês de Arte e Cultura Contemporâneas Pablo Serrano da cidade de Saragoça. O projeto já é algo real.

A Gran Bóveda conseguiu reunir em um mesmo lugar a vanguarda tecnológica do momento com a vanguarda artística. A fusão entre natureza e tecnologia é o grande marco da obra?

O que eu mais destacaria é a forma tão aparentemente natural com a qual Serrano integra a marca humana na paisagem. Devemos pensar que a entrada do túnel está no cânion do rio Douro, entre paredes de granito com uma altura de cerca de 500 metros, pelas quais discorre a água entre os alcantis verticais; uma paisagem com uma imponência impressionante.

Serrano obtém um encontro harmônico entre a natureza - a montanha escarpada, os penhascos e despenhadeiros - e a simplicidade da superfície lisa de concreto que ele constrói. Uma fusão equilibrada e técnica. Com a eterna sensibilidade do artista. E também com uma empresa que possui sensibilidade com a estética criativa.

Destaco a forma aparentemente tão natural com a qual Serrano integra a marca humana na paisagem

Francisco Hurtado de Saracho propôs a criação de um projeto artístico para a entrada do túnel e o concurso foi ganho por Pablo Serrano. Por que você acha que ele foi escolhido?

Pablo Serrano era um escultor que estava começando a ter reconhecimento entre a crítica especializada. Chegado do Uruguai em 1955, tinha feito uma exposição individual no espaço cultural Ateneo de Madri em 1957. Nesse mesmo ano fundou, juntamente com outros artistas o Grupo El Paso, que renovaria a arte espanhola da pós-guerra. Estamos em uma Espanha que despertava para os sentidos e os artistas eram embaixadores da criatividade nacional. Serrano participou de grandes mostras internacionais que consolidaram sua fama como New Spanish painting and sculpture, no Museum of Modern Art de Nova York em 1960. Retornou no ano seguinte aos Estados Unidos para expor no Carnegie Institute de Pittsburgh; expôs no Musée Rodin de Paris em 1961 e na galeria Marlborough de Londres. E, como ápice, em 1962 ocupou o Pavilhão Espanhol na XXXI Biennale di Venezia como convidado de honra.

Para mim, é a sensibilidade da escultura de Serrano e sua fama que começam a se consolidar; é o que provoca que a Iberduero, empresa inovadora e com grande capacidade antecipatória, se fixasse nele. Além disso, a solução que Serrano propunha para a entrada era perfeita: vanguardista, sóbria, respeitosa e integrada no ambiente circundante.

A montagem da Gran Bóveda de Aldeadávila é uma obra com uma assombrosa magnitude. Na exposição, esta imensidão se reflete através de fotografias, documentos - e inclusive em algumas esculturas cedidas pela Coleção de Arte Iberdrola. Esse foi o principal desafio da exposição?

O desafio foi mostrar a intervenção escultórica de Serrano em Aldeadávila, tanto o aspecto artístico quanto o histórico. Para tal, recriou a Gran Bóveda e foram colocadas diante dela algumas das esculturas realizadas por Serrano para esse espaço, e que pertencem à Coleção de Arte Iberdrola. Por conseguinte, através de uma ampla seção documental, mostra-se ao público os prolegômenos dos trabalhos e o próprio desenvolvimento da obra, que constitui um relato com um interesse intrínseco.

Apresente-nos o conjunto escultórico cedido pela Coleção de Arte Iberdrola: essas peças de granito são imprescindíveis para compreender a magnitude da Gran Bóveda?

As esculturas de granito da Coleção da Iberdrola são um conjunto de obras monumentais, que são fundamentais dentro da exposição. É contemplando as esculturas quando apreciamos o sentimento, a emoção que infunde Serrano aos blocos de granito. A rugosidade do material, as linhas retas, os estudados vazios, carregados de sugestões, são elementos que provocam a emoção do espectador, a vivência artística.

Ao contemplarmos as obras ao vivo também é quando - que são gigantescas e vemos nas fotografias o espaço que ocupam proporcionalmente dentro do projeto, que é mínimo - temos uma ideia da grandiosidade da Gran Bóveda.

A solução que Serrano propõe para a entrada é perfeita: vanguardista, sóbria, respeitosa e integrada no ambiente circundante

Qual é a relação entre as Bóvedas para el Hombre (Abóbadas para o Homem) de Pablo Serrano e La Gran Bóveda de Aldeadávila?

As Bóvedas para el Hombre representam a humanização definitiva do trabalho de Serrano, onde se salienta seu compromisso com o homem, sua existência, suas circunstâncias. São esculturas de formas irregulares, às vezes com marcas de tijolos e que se oferecem como concavidade de amparo de um homem exposto ao mundo sem proteção, seriam uma metáfora de refúgio.

Fazia poucos anos, em 1960, o escultor tinha sido fotografado na entrada de uma cova -En la cueva o con la estrella (Na cova ou com a estrela) era seu título - onde refletia uma vez mais sobre a relação do homem com a terra, em um exercício espiritual de vislumbrar as raízes da alma humana. Agora devia pensar a entrada para uma gigantesca obra hidráulica, para ter acesso à instalação de operações de onde emergem as excitações dos alternadores.

O próprio artista em frente à caverna, e agora em frente da boca da usina.

Tendo em conta que esta exposição complementa aquela já inaugurada (Serrano na esfera pública), A Gran Bóveda de Aldeadávila permite conhecer ainda melhor o artista?

Sem dúvida, nos ajuda a conhecê-lo melhor. As intervenções na esfera pública são uma parte muito importante do trabalho de Pablo Serrano, que gostava de intervir e "conquistar o espaço", de tal forma que a escultura se integre e nos faça perceber e sentir o espaço de outra maneira. Por outro lado, lhe seduz criar esculturas que possam ser observadas e apreciadas por transeuntes, gente anônima que habitualmente não visita um museu ou uma galeria de arte.

Como especialista no artista e em sua obra (fez uma tese sobre sua trajetória), falemos da arte de vanguarda de Pablo Serrano. O que você destacaria do artista? Em três palavras, como você definiria sua obra?

O que eu destacaria é que a evolução da vida, as reflexões e a obra de Pablo Serrano estão em íntima união com o desenvolvimento do contexto histórico que lhe toca viver, tanto político quanto social. Dado que, em sua trajetória vital, existe um elemento constante, que é sua preocupação social e humanística.

Embora as vias de desenvolvimento, tanto conceituais quanto formais, variem ao longo de sua trajetória, o artista procurou sempre cumprir um serviço para a humanidade, algo que ele identificava com o reflexo do ser humano em sua escultura com uma busca da intercomunicação humana através das formas.

Eu definiria sua obra com estas palavras: vanguarda e compromisso.

Como nunca tinha acontecido até agora, a humanidade esteve tão necessitada da companhia dos demais ou de luzes que iluminem nossas sombras

Qual é o lugar de Pablo Serrano na arte contemporânea espanhola?

Ele é imprescindível para compreender a escultura espanhola do século XX.

A pandemia mundial da COVID-19 está afetando todos os setores e o âmbito da cultura e da arte é um dos mais impactados. Nesse sentido, como você vê a situação atual e o futuro: com otimismo ou pessimismo?

Infelizmente, as consequências desta pandemia ainda são imprevisíveis porque ela não acabou. Sabemos que a cultura está sendo um dos setores mais castigados e, por essa mesma razão, teríamos que lhe prestar uma atenção especial.

Na minha humilde opinião, a arte pode ser um paliativo ao pessimismo que nos invade. Diante de tanto horror e sofrimento social, a criação artística (e todas suas derivações) é ainda mais necessária por sua beleza e feliz evocação. Seguindo Pablo Serrano, a cultura também é compromisso e como nunca tinha acontecido até agora, a humanidade esteve tão necessitada da companhia dos demais ou de luzes que iluminem nossas sombras. E nada melhor do que a arte para responder a essas demandas.