Kate Darling

Kate Darling

15 Out, 2020

Será que os robôs assumirão o poder? Os reais problemas da IA e a robótica

Com o recente aumento de interesse sobre a inteligência artificial e a robótica, a mídia está especulando sobre nosso futuro com os robôs, perguntando "Será que os robôs roubarão os nossos empregos?", alertando "Os robôs estão chegando, preparem-se para o problema", e suplicando "Bem vindos, senhores robôs. Por favor, não nos demita!"

O que essas manchetes não deixam entender é que os robôs não tomam essas decisões, mas sim os humanos. Ao projetar, construir e integrar os robôs e a IA aos nossos locais de trabalho e sociedade em geral, precisamos colocar de lado nossas ideias de ficção científica sobre os robôs assumindo o nosso lugar. Porque, ao culpar os robôs, estamos encobrindo o problema real: nós.

A crença de que a tecnologia irá inevitavelmente automatizar o nosso trabalho é persistente, mas essa não é a única maneira de abordamos o trabalho. Buscar a eliminação da mão de obra humana para cortar custos é uma escolha e essa escolha implica uma visão limitada. Ao invés de tentar automatizar os empregados dos armazéns, os entregadores de pizza, os paralegais e o pessoal dos serviços de saúde, as empresas deveriam fazer outra pergunta: como podemos usar a tecnologia para ajudar as pessoas a fazer um trabalho melhor?

Os robôs e a IA têm um desempenho melhor quando os projetamos para ser ferramentas adicionais, ao invés de substituição do trabalho humano, pois nossa inteligência e habilidades são muito diferentes. A tecnologia nos suplanta de diversas maneiras: até mesmo uma simples calculadora é melhor para fazer cálculos. A IA atual pode vencer as pessoas em jogos como xadrez, bakuk e Jeopardy. Nossas máquinas podem fazer coisas que não podemos: detectar e identificar explosivos, levantar vigas de metal pesadas, classificar medicamentos 24 horas ao dia e reconhecer padrões em dados que jamais identificaríamos.

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Os robôs e a IA têm um desempenho melhor quando os projetamos para ser ferramentas adicionais, ao invés de substituição do trabalho humano

Humanos e Inteligência Artificial,
complementares e não mutuamente exclusivos

Ao mesmo tempo, os humanos também são melhores do que as máquinas. Se você já tentou ter uma conversa com o assistente de voz de seu telefone ultimamente, deve ter percebido que os nossos auxiliares virtuais são, no mínimo, interlocutores decepcionantes. Até mesmo meu filho pequeno é bem melhor do que os robôs para entender contexto e conceitos, até mesmo para identificar e escolher aleatoriamente objetos ou manter o seu equilíbrio em duas pernas. Apesar das várias décadas de pesquisa e desenvolvimento, ainda não fomos capazes de automatizar inteiramente a fabricação dos automóveis. O motivo disso é que, com sua inteligência de adaptação, o ser humano é muito melhor do que as máquinas em algumas coisas.

Será que é só uma questão de tempo e de poder informático para que possamos criar um quase-humano? Talvez, mas não estamos nem perto disso no momento. Mas, mais importante ainda, a inteligência que estamos desenvolvendo agora trabalha diferentemente da nossa, e isso é uma boa coisa. Nosso objetivo não deve ser recriar a inteligência e as habilidades humanas no futuro distante. Porque recriar o que já temos, quando podemos, deliberadamente, criar algo novo?

Nossa crença de que os robôs podem e devem nos substituir oculta o potencial massivo de fabricar robôs e IA como ferramentas adicionais. Poderíamos construir e integrar essas tecnologias com o objetivo explícito de aumentar a produtividade das pessoas ou transformar suas funções em algo menos rotineiro e mais gratificante, ao invés de apenas tentar automatizar as tarefas que elas já fazem. Quando pensamos de maneira mais criativa sobre como projetar e usar robôs para trabalhar ao lado das pessoas, veremos ganhos de muito mais longo prazo. Porque essa tecnologia é realmente melhor não como substituta do ser humano, mas como uma parceira naquilo que estamos tentando alcançar.

Moldar o futuro
depende de nós

Quando deixamos de lado nossas previsões autorrealizáveis de robôs assumindo nosso lugar, começamos a ver que temos escolhas e que essas escolhas não se limitam ao local de trabalho. Temos escolhas sobre a natureza do trabalho das pessoas, mas também sobre os incentivos corporativos que definimos em nossos sistemas econômicos e políticos de forma ampla. Em vez de nos atermos ao nosso padrão de ver a tecnologia como neutra, também deveríamos escolher tornar nossos processos de design mais inclusivos, para garantir que o que construímos atenda aos interesses de todas as pessoas, em vez de apenas aos dados demográficos limitados de seus atuais criadores.

Nosso problema não é que os robôs assumirão o controle, nosso problema é que presumimos que eles farão isso

Temos também a escolha, e a responsabilidade, de sermos mais atentos sobre quando não é apropriado usar tecnologias automatizadas. Compreender os pontos fortes e as limitações da robótica e da IA nos ajuda a resistir à tendência atual de aplicar essa tecnologia em todos os lugares, seja em sistemas de armas automatizados, câmeras de reconhecimento facial, decisões de contratação ou no sistema de justiça criminal. Não apenas os resultados são frequentemente falhos e prejudiciais, mas o uso de tecnologia automatizada nesses contextos também permite que empresas, políticos e indivíduos culpem os robôs pelas decisões, quando nós, humanos, somos os únicos que deveriam assumir a responsabilidade.

Nosso problema não é que os robôs assumirão o controle, nosso problema é que presumimos que eles farão isso. Então, vamos parar de culpar os robôs nas manchetes de nossos jornais. Sejamos claros sobre o fato de que os robôs e a IA são ferramentas feitas pelo homem, e que terão um impacto no trabalho e na vida das pessoas dentro de escolhas e sistemas maiores e orientados por humanos ao invés de dar o controle aos robôs, vamos assumir esse controle de volta. Afinal, não é a tecnologia que molda o futuro, somos nós.

A Dra. Kate Darling é Especialista em Pesquisa no MIT Media Lab. Seu interesse consiste em verificar como a tecnologia interage com a sociedade. Atualmente Kate analisa os efeitos de curto prazo da tecnologia robótica, com um interesse especial nas questões legais, sociais e éticas. Além disso, ela também explora questões econômicas em sistemas de propriedade intelectual. Ela faz experimentos, ministra workshops, escreve e fala sobre alguns dos desenvolvimentos mais interessantes no mundo da interação humano-robô e onde poderemos estar no futuro.