Anita Sengupta

O futuro verde e sustentável
do transporte

Anita Sengupta
Engenheira aeroespacial, cientista e piloto

A mobilidade do amanhã já está aqui

Estamos em New London. O ano é 2050 e, enquanto saio da cápsula do hyperloop e ando do centro da cidade até o vertiporto, verifico a exibição ótica do próximo horário de partida. Seleciono o modo de transporte elétrico de decolagem e aterrissagem vertical (eVTOL) de dois lugares, o que me proporcionará uma vista desobstruída da London Eye. Também reduzirá meu custo energético como viajante desacompanhado em minha cota mensal de carbono.

As imagens do futuro do transporte conjuradas pelas nossas cabeças envolvem uma paisagem urbana utópica rodeada de vidro e revestida de metal. O futuro do transporte já foi tema de ficção científica, mas evoluiu se tornando fato científico —um domínio tecnológico que possibilita novas capacidades. Estamos entrando em uma era tecnológica com uma finalidade, devido à ameaça das mudanças climáticas.

Nossa compreensão das emissões antropogênicas de carbono está bem quantificada. Aproximadamente, 16 % vêm do setor de transportes, 18 % da agricultura e o restante de usos industriais e residenciais. Portanto, quando consideramos o desafio de descarbonizar o transporte, devemos abordar nossa dependência geral dos hidrocarbonetos como fontes e transportadores de energia. O caminho evolutivo para o transporte verde começa na terra, faz a transição para o ar e nos permite proteger nosso planeta com uma perspectiva interplanetária.

O futuro das viagens terrestres

O conceito de pessoas viajando individualmente em tubos a velocidades tremendas foi visualizado pela primeira vez na década de 1960, na arena da ficção científica. O desenho animado infantil Os Jetsons mostrava uma família do futuro.

O caminho evolutivo para o transporte verde nos permite proteger nosso planeta com uma perspectiva interplanetária

Meio século de avanço rápido e temos os trens mag-lev, os trens de alta velocidade e, na próxima década, teremos o Hyperloop. O Hyperloop poderia ser descrito mais facilmente como uma nave espacial que viaja no solo. Um veículo de passageiros pressurizado levita magneticamente com propulsão elétrica em um tubo de vácuo, percorrendo longas distâncias à velocidade de 1.000 quilômetros por hora. O Hyperloop pode substituir as viagens aéreas regionais por grandes extensões de terra e, se conectado a um suprimento elétrico renovável, está livre de emissões de carbono. Com capacidade para mais de 10.000 passageiros por hora, conectando os principais centros a velocidades até cinco vezes superiores às de um trem, ele pode criar uma rede terrestre de transporte de passageiros e carga. O Hyperloop é mais do que um conceito —há várias start-ups de tecnologia na América do Norte e na Europa trabalhando com isso. Essas empresas estão atualmente desenvolvendo as arquiteturas de sistema e algumas das novas tecnologias necessárias para habilitar este meio de transporte.

Como acontece com todos os projetos de transporte baseados em infraestrutura, o preço do Hyperloop é alto: pense em ferrovias de alta velocidade com a adição de uma década de pesquisa e desenvolvimento semelhante ao do avião espacial. Vários governos, o público e os investidores estão financiando ou investigando essa inovação. Deveríamos ver a implementação de um desses projetos em 2035.

O futuro real para a aviação comercial livre de emissões é o uso de hidrogênio como fonte de energia

O futuro das viagens aéreas

A aviação respondeu apenas por menos de 3 % das emissões globais de carbono em 2020, o que é menos de 20 % das emissões de CO2 relacionadas ao transporte como setor. Este número, no entanto, deve aumentar nos próximos vinte anos, devido à descarbonização do transporte terrestre, um aumento nas viagens aéreas à medida que a população continue a crescer e mais pessoas tendo acesso a viagens aéreas a preços viáveis.

Como professora de engenharia, piloto experiente, CEO e fundadora de uma empresa de aviação elétrica, posso dizer com certeza que ainda não existem tecnologias para descarbonizar aeronaves comerciais de grande capacidade a jato ou turboélice. Em vez disso, a ênfase do setor de transporte aéreo tem sido o investimento em combustíveis de biomassa à base de hidrocarbonetos para aviação. Os biocombustíveis têm emissões mais baixas de CO2 em comparação com o combustível de aviação tradicional, mas isso não descarboniza o setor a longo prazo. Os biocombustíveis também são mais caros (por litro) do que o combustível de aviação tradicional, o que significa que as operadoras aéreas serão lentas em adotá-los sem incentivo ou penalidade (por não fazê-lo).

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Estão sendo desenvolvidas novas tecnologias para facilitar plataformas de aviação elétrica de curto alcance e baixa capacidade. A Mobilidade Aérea Urbana (UAM), um termo cunhado recentemente, tem visto o rápido desenvolvimento de veículos elétricos de decolagem e aterrissagem vertical (eVTOL) para facilitar o transporte por táxi aéreo de curto alcance (até 50 km) dentro dos centros urbanos-suburbanos. Até o momento, existem mais de 200 empresas na área, que vão desde start-ups de tecnologia a veículos protótipos da Airbus. O motivo de negócios e a justificativa social da UAM é aliviar o congestionamento nas cidades de todo o mundo. A UAM cria vias aéreas de baixa altitude nas quais se locomover em um ambiente urbano-suburbano.

A UAM é provavelmente o único caso de uso viável de aviação elétrica movida a bateria, já que as baterias não têm a densidade energética necessária para viagens de cidade a cidade ou regionais. Aeronaves elétricas têm vantagens, além de serem livres de emissão —elas têm níveis de ruído e custo energético por passageiro/km mais baixos. Elas também podem ter uma manutenção menos cara. É discutível se o público aceitará o rápido crescimento da UAM em todas as cidades —os helicópteros normalmente encontram forte oposição, como comparação. Provavelmente veremos a primeira oferta com eVTOL nesta década, em uma cidade congestionada perto de você.

O futuro real para a aviação comercial livre de emissões é o uso de hidrogênio como fonte de energia, especificamente, usinas elétricas de célula de combustível de hidrogênio para táxis aéreos, incluindo aeronaves regionais de capacidade média. As tecnologias de célula de combustível de hidrogênio estão em desenvolvimento na área de start-ups e entre as empresas aeroespaciais maiores. Para aeronaves a jato continentais e transoceânicas de longo curso, provavelmente veremos uma mudança para motores de combustão interna direta de hidrogênio/oxigênio e voos supersônicos. Para aeronaves menores, os voos movidos a hidrogênio podem se tornar realidade nesta década. Para aeronaves de maior capacidade, são necessários mais investimentos e isso provavelmente ocorrerá na próxima década.

Da perspectiva do usuário final, o futuro do transporte é compartilhado, multimodal e livre de emissões de carbono

Encontrando sinergias

Com a popularidade dos carros elétricos, houve um salto quântico na tecnologia de trem de acionamento elétrico e nas tecnologias de armazenamento de energia. Elas encontraram sinergias e novos casos de uso com o Hyperloop, eVTOL e a propulsão elétrica de aeronaves. Da perspectiva do usuário final, o futuro do transporte é compartilhado, multimodal e livre de emissões de carbono. É uma mudança de veículos individuais para um sistema on-demand em rede, habilitado pela inteligência artificial.

É uma sinergia de novas tecnologias que têm como fio condutor a eficiência energética, a segurança e a conectividade. Da invenção da roda, há 5.000 mil anos, ao voo motorizado no início do século XX, a tecnologia de transporte sempre promoveu a busca dos humanos pelo desconhecido.

Anita Sengupta é cientista, engenheira aeroespacial, professora universitária e piloto; durante mais de vinte anos desenvolveu tecnologias que permitiram a exploração do espaço profundo. Na NASA, sua pesquisa esteve focada no desenvolvimento de motores de íons e no sistema de paraquedas supersônico que fez parte integral da aterrissagem do 'Curiosity' no planeta Marte. Entre 2012 e 2017, dirigiu o Laboratório de Átomo Frio, uma instalação de arrefecimento por laser que atualmente está a bordo da Estação Espacial Internacional. Sua transição ao setor privado —neste caso, ao Virgin Group— levou-a a liderar o projeto de um novo sistema de transporte de alta velocidade propulsionado eletricamente e baseado na levitação magnética no vácuo conhecido como hyperloop. Atualmente, compatibiliza seu trabalho docente com frequentes intervenções como conferencista especializada em disciplinas STEM e mobilidade verde. Também é CEO e fundadora da Hydroplane Ltd., empresa dedicada ao uso de células de combustível de hidrogênio na aviação.