Dessalinização

A dessalinização da água do mar: um método para lutar contra a escassez?

A água é um dos recursos mais preciosos do planeta e, de acordo com a ONU, sua escassez já afeta mais de 40 % da população mundial. Um dado que disparou todos os alarmes e impulsiona a busca de soluções. Uma delas, e não necessariamente nova, é a dessalinização, que consiste em eliminar os minerais (majoritariamente sal) da água do mar mediante processos físicos e químicos. É fundamental aumentar a capacidade das dessalinizadoras reduzindo simultaneamente seu impacto ambiental nos próximos anos.

A água cobre 70 % de nosso planeta, por isso é fácil pensarmos que é mais do que suficiente. No entanto, a água doce é um recurso cada vez mais escasso no mundo — apenas 3% das águas são doces — e dois terços não estão disponíveis, uma vez que estão em forma de gelo ou são inacessíveis. Cerca de 1,1 bilhão de pessoas em todo o mundo não têm acesso à água doce e 2,7 bilhões sofrem com sua escassez durante pelo menos um mês por ano. Mas, paradoxalmente, em muitas das áreas afetadas pela escassez de água doce, o mar está muito perto; portanto, é aí onde a dessalinização pode ajudar.

O que é a dessalinização

A dessalinização é o processo através do qual se eliminam os sais minerais dissolvidos na água. Atualmente, tal processo, aplicado à água do mar, é um dos mais usados para obter água doce para consumo humano ou agrícola.

A dessalinização ocorre de forma natural durante o ciclo da água: a evaporação da água do mar deixa atrás o sal para formar nuvens que geram a chuva. Aristóteles observou que a água do mar evaporada e condensada era doce e Da Vinci compreendeu que era fácil obtê-la usando um alambique.

Durante os séculos posteriores a dessalinização da água do mar foi utilizada sobretudo em embarcações e submarinos para fornecer água doce à tripulação durante longas travessias. No entanto, esse processo não esteve disponível em larga escala até a revolução industrial e, especialmente, até o desenvolvimento das plantas de dessalinização.

As plantas de dessalinização

Segundo o último estudo realizado pelos pesquisadores do Instituto para a Água, Meio Ambiente e Saúde da Universidade das Nações Unidas (UNU-INWE)  em 2019, no mundo existem aproximadamente 16.000 plantas de dessalinização em operação — distribuídas em 177 países — que em conjunto geram aproximadamente 95 milhões de m3 por dia de água doce. O primeiro país a adotar esse processo de forma massiva foi a Austrália, um país muito árido onde a denominada Seca do Milênio, entre 1997 e 2009, causou estragos. Hoje possui plantas de dessalinização nas principais cidades, que utilizam o processo da osmose reversa.

A Arábia Saudita é o primeiro país em dessalinização por volume, seguido dos Emirados Árabes Unidos. Ambos os países são desérticos e muito dependentes desse processo. Outros países do Oriente Médio, como Kuwait e Catar, também apostaram nessa técnica. Nos Estados Unidos, terceiro nesse particular ranking, há microplantas de dessalinização perto de quase todas as instalações de gás natural para aproveitar o calor residual. A Espanha seria o quarto, graças ao impulso das Ilhas Canárias e da costa de Alicante e Múrcia, onde as antigas usinas térmicas estão sendo substituídas por plantas de dessalinização.

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Os países com maiores possibilidades de sofrer estresse hídrico em 2040.

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Proccesos de dessalinização

A destilação, que consiste em ferver a água do mar em um alambique, coletar o vapor e o condensar para obter água doce, é o método mais óbvio para eliminar o sal, mas não o mais eficaz já que consome grandes quantidades de energia. A seguir, elencamos os principais processos de dessalinização utilizados atualmente:

 Osmose reversa

É o processo mais utilizado e consome menos energia que os demais ao basear-se na utilização de membranas semipermeáveis que deixam a água passar, mas não o sal. Tais membranas são de poliamida ultrafina, que podem ser contaminadas com bactérias e, por isso, a água deve passar por um tratamento.

 Destilação solar

Imitando o ciclo da água, consiste em evaporar água do mar em grandes instalações cobertas onde se condensa e coleta em forma de água doce. Embora a energia utilizada seja o calor do próprio sol, são necessárias grandes extensões de terreno.

 Eletrodiálise

Consiste em mover a água salgada através de membranas carregadas eletricamente que retêm os íons de sal dissolvidos na água, permitindo extrair água doce. Existem diversos tipos de eletrodiálise, como a convencional e a reversa.

 Nanofiltração

É um processo que utiliza membranas de nanotubos com maior permeabilidade do que a osmose reversa, o que permite processar mais água em menos espaço usando menos energia. Tais membranas são fabricadas com compostos sulfonados que, além do sal, removem vestígios de poluentes.

 Formação de hidratos gasosos

Os hidratos gasosos são cristais sólidos que se formam ao combinar a água com um gás, como o propano, em condições de alta pressão e baixa temperatura. Durante o processo desaparecem todos os sais e impurezas presentes na água e, ao elevar a temperatura, é possível recuperar o gás permanecendo a água doce.

Vantagens e desvantagens da dessalinização

A dessalinização é uma necessidade crescente à medida que diminuem as reservas de água doce no mundo. Segundo o estudo da ONU citado anteriormente e publicado pela revista Science of the Total Environment, combinada com um uso responsável pelos recursos hídricos, pode ser um elemento-chave para resolver o problema da escassez de água no futuro apesar de algumas desvantagens que convém não ignorar.

O processo de dessalinização da água não está isento de impacto, uma vez que o resíduo resultante do processo é a salmoura, água residual com uma elevada concentração de sal e poluentes, que em muitos casos é despejada no mar afetando os ecossistemas. Concretamente, o estudo estimou a descarga de salmoura em 142 m3 por dia. Também existe o risco de filtrações que podem contaminar os aquíferos da costa.

Vladimir Smakhtin, diretor do UNU-INWEH

As tecnologias de dessalinização devem ser mais acessíveis para ser estendidas a países de média e baixa renda ao mesmo tempo que se abordam seus efeitos adversos no meio ambiente ou na saúde humana

Manzoor Qadir, coautor do trabalho, propõe "converter um problema ambiental em uma oportunidade econômica". No estudo cita algumas delas: utilizar a salmoura para a aquicultura, para gerar eletricidade ou para recuperar os metais nela contidos, como o magnésio, o gesso, o cálcio, o potássio, o cloro ou o lítio.

Além disso, muitos processos de dessalinização exigem aquecer a água, pressurizá-la ou ambas as coisas, o que implica um elevado custo energético. A solução nesse caso consiste em utilizar energias renováveis, como a solar, para reduzir o consumo das dessalinizadoras. Outra possível via para uma dessalinização sustentável consiste em utilizar a biotecnologia, por exemplo, mediante cultivos de cianobactérias que são capazes de processar a água do mar formando ao seu redor um depósito de baixa salinidade.